jueves

Fiar cores, tecer sentidos

Não é de graça que seja a figura da rede a que melhor define o trajeto realizado através do tempo pelo vocabulário visual da escultora Nani Cárdenas. A figura da rede como estratégia e como rumo de deslocamentos, mas também como metáfora. Daquelas investigações iniciais nos interstícios do sentido da talha em madeira até o delicado e complexo desenho no espaço de Cromoterapia, nós estamos diante duma obra que tem ido se adensando simbolicamente e conquistando territórios de experiência e representação. Territórios que são entrelaçados, cruzados e comunicados, e que nesse movimento encontram pertinência.

Tem neste crescimento expansivo, no entanto, um ponto eloqüente de ruptura: uma peça de formato meio chamada Aracne Uma peça que refaz, da eleição mesma dos materiais, o mito da fiandeira que desafia aos deuses e é transformada numa aranha. Na peça, que representa ao personagem como uma criatura mutante, a parte humana sobe da cintura num grácil trajeto de madeira, e a parte animal funciona na forma duma série de extremidades metálicas muito compridas. As extremidades que são dedos desenhados para fiar, mas que são também, em si mesmos, fios, promessa de tecido.
Aracne, então, além de ser uma escultura que engasta dois momentos definidos na obra do artista - o trabalho com a madeira e o fiado em metal, opera como uma poética. Uma poética que revela para nós o sentido que a obra de Cárdenas tem vindo concedendo ao ato de tecer, que é celebração e documento de conexões, mas também trabalho de sobrevivência A aranha tece para capturar seu alimento e para definir os limites de seu território. E sua tela é também sua saliva. Vale dizer, a imagem metonímica de seu discurso. De jeito que, finalmente, ao interior deste apertado universo simbólico, o discurso termina sendo alimento; a representação nutre-se do fato comunicativo.

E se nós confiamos no mito que dá origem à peça, e lembramos que aquilo que desencadeia a tragédia nele é uma sorte de desinformação voluntária - uma particular interferência na comunicação-, podemos compreender exatamente a eleição dos materiais recentes. Porque na Cromoterapia não trata-se de reciclar cabos de telecomunicações só pela sua ductilidade, ligeireza e cor, mas porque reverbera em eles uma acepção dupla: são, simultaneamente, expectativa e vestígio de encontros virtuais. Conseqüentemente, na sua explosão vitalista, na sua aparência de dança dos véus e no conjuro curador, a Cromoterapia é principalmente uma celebração do diálogo.

Ao interior das coordenadas que a obra de Cárdenas propõe, o tecido tem deixado de ser funcional, genérico, escorado, ancorado no clichê da coisa feminina, para transformar-se numa representação do desenho no espaço: Cores puros, esboços livres, nós e desenlaces. Cada uma das peças de Cromoterapia age ritmicamente; ganha volume e ainda mais, contrai-se até ser superfície, e oferece-se como esboço da figura humana, animal ou do vegetal, para logo retornar a ser só uma linha correndo, forma pura. Assim, Cromoterapia é também um caderno de desenho. Um caderno cujo material é a reciclagem semântica da palavra tecer.

Diego Otero, março de 2008

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